quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Desencontros

Alice chegava a casa após mais um dos seus longos dias de trabalho. Era já noite! O ar seco e frio deixara a rua deserta. Fazia já mais de uma semana que não ia visionar a caixa de correio da fracção que habitava num pequeno prédio, de uma média cidade que tantas vezes parecia uma aldeia medíocre.
Hesita no percurso das escadas, à medida que subia o acesso às garagens, pois era grande a vontade de entrar em casa, fechar a porta e deixar lá fora os turbilhão de ideias, palavras e gestos confusos com que se havia deparado durante o dia, contudo, Alice imaginava a ranhura de acesso à caixa de correio entupida em tanto papel e revista publicitaria.
- Devia ir, de uma vez por todas, aos correios - pensava Alice- buscar um daqueles papéis autocolantes, indicativos da manifesta vontade em ser alheia a promoções e descontos de última hora, mas de vez em quando a consulta dos panfletos era tanto uma dica como uma distracção.
Ao chegar à porta do seu pequeno apartamento, Alice dá meia volta em direcção à porta da rua, abre a sua caixa de correio que conforme esperava, padecia de falta de espaço para ajudar o Sr. Carteiro a fazer o seu trabalho.
Revistas, panfletos, publicidade e mais publicidade, uma carta do banco - Alice teimava em não aderir aos extractos de conta em formato digital - um envelope da empresa responsável pela gestão de condomínio e, para seu grande espanto, um envelope diferente, sem carimbos nem logótipos...sem remetente.
Já confortavelmente sentada no sofá da sua sala, Alice olhava para o envelope com um misto de desconfiança e curiosidade, sintoma da forma como esta se relacionava com o futuro e com a vida, medo do desconhecido e pressa de viver.
Alice olha o envelope, aperta uma mão contra a outra, trinca o lábio inferior, sustem o ar que traz dentro do peito e num impulso, pega no pedaço de papel, abrindo-o. Do interior, consta apenas uma folha, com duas pequenas frases.
As emoções e as memórias invadem a alma de Alice. Era como se as frases tivessem um rosto, as palavras um cheiro,o papel a temperatura de um corpo. E os olhos de Alice, de um verde escuro expressivo, verteram água, uma única lágrima, talvez aquela que havia ficado retida num qualquer canto, escuro e fechado...pois Alice desconhecia que ainda tinha a capacidade de chorar, achava que havia esgotado o seu reservatório de lágrimas.
(continua..)

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