domingo, 7 de dezembro de 2008

Hoje, recordar, é ALICE!

Hoje, recordar é Alice!
A pouco mais de um mês de completar 87 anos de idade, Alice tem uma personalidade forte, vincada pelo orgulho, toda a vida foi "Senhora do seu Nariz", poucos foram aqueles a quem pediu alguma vez opinião, diria mesmo que estava muitas vezes próxima de um certo autismo como se um dos lemas da sua vida fosse o "eu quero, posso e mando". Alice é uma mulher robusta, alta, de cabelos negros e tez morena. Na sua juventude, uma mulher bonita, vistosa, por onde quer que passasse, Alice não passava despercebida.
Mãe de 4 filhos, um rapaz - o menino dos seus olhos - e 3 raparigas e avó por 8 ocasiões, 4 netos e 4 netas, Alice enviuvou nova. A vida já a tinha habituado à ausência do marido, que havia emigrado para França em busca de um futuro mais desafogado. Alice não sabia ler nem escrever, assinava o seu nome com alguma dificuldade, uma aprendizagem por conta própria, o que contrastava com a 4ª classe, naqueles tempos uma habilitação escolar invulgar, do seu marido, funcionário dos serviços municipais, antes da aventura da construção civil em terreno parisiense.
Madalena sempre soube que tinha um lugar especial no coração de Alice, nunca percebeu porquê, nem como tal aconteceu, mas os olhos de Alice brilhavam para Madalena de uma forma singular. Madalena, como neta, era talvez a única pessoa a quem, estranhamente, Alice escutava. Madalena arrancava-lhe sorrisos e despertava-lhe um brilho no olhar que fazia quebrar o estilo austero e imperialista que toda a vida cultivara e orgulhava-se por isso. Sentia um aperto no peito à medida que a idade da avó avançava e que o organismo desta dava claros sinais de debilitação. Pouco mais podia fazer do que estar o mais presente possível, e não há angústia maior do que a incapacidade para alterar aquele que é o curso natural da vida, sentirmo-nos de pés e mãos atadas. Alice não chegou ao dia 25 de Dezembro, altura em que comemoraria os seus 87 anos. Por isso, hoje, a um mês da sua partida, recordar tem um nome, e esse nome é ALICE, e recordar Alice é recordar os ovos estrelados com chouriço ao lume da lareira do antigamente, nunca mais a Madalena conheceu noutros ovos estrelados, sabor igual.... Recordar Alice é recuperar o sabor do arroz doce cozido apenas em água com limão, sem adição de ovos e leite, é ainda lembrar as filhoses que esperavam Madalena e sua irmã e primos, no local secreto do pequeno móvel verde da cozinha. Recordar Alice é recordar os figos fruto das figueiras plantadas no quintal, é recordar o sótão da casa, que mais tarde, e por outras circunstâncias da vida, Madalena fez questão de adquirir; um sótão de histórias, de imaginação de onde quase parecia avistar-se o mar... Recordar Alice é recordar sabedoria. Madalena jamais esquecerá algumas frases que Alice repetia como ensinamentos da vida. Foi pela voz de Alice que Madalena conheceu expressões como: "A vida é um vale de desenganos!" e "Aos HOMENS só escapa o vinho que as MULHERES bebem!" Para Madalena, ALICE será sempre a sua AVÓ preferida e muitas foram as vezes que Madalena lho disse. Os olhos de Alice brilhavam sempre que os seus ouvidos escutavam estas palavras, contudo, e mantendo a postura que toda a vida a acompanhou, a resposta da Alice sempre foi a mesma "Claro que sou a tua avó preferida, sou a única que tu tens e conheceste!"...

3 comentários:

aiagarb disse...

Já vem tardio o comment mas não queria deixar passar este post sem dizer que de facto são estas alturas , ou nestas alturas que quem não está nos faz mais falta, ainda para mais quem, ainda à tão pouco nos deu um sorriso.
Bem com lágrima no olho também para mim,"Hoje, recordar,AVÔ!"

Madalena disse...

Todos os dias ao acordar o olhar da minha avó me dá os bons dias e todosos dias ao adormecer é ao olhar para ela que me sinto abençoada....a fotografia dela é para já única na minha mesa de cabeceira e mesmo sabendo que era vontade dela partir e que tive a felicidade de estar ao lado dela a enchê-la de beijos quando isso aconteceu, todos os dias choro baixinho...todos os dias lhe digo que tenho saudades dela e todas as noites lhe peço que me ilumine. Há memórias que nunca passam, jamais se esquecem ou relevam para segundo plano...acho que é assim em todas as histórias de um amor que tudo tem de verdadeiro...

sheiladalila disse...

Minha querida, que linda homenagem!
Estou sem palavras...
Amei!