domingo, 1 de março de 2009

Até que a mais Imperativa das Leis da Natureza nos separe...

Maria Augusta crescera no seio de uma família de classe média em plena capital Lisboeta. Da infância recorda as trapalhadas em que constantemente se via metida, fruto de um espírito rebelde, obstinado, extrovertido e impulsivo. A sua farta cabeleira ruiva destacava-a de entre muitas, atraindo atenções que em grande maioria das vezes dispensava. Os miúdos conseguem ser cruéis entre si e Maria Augusta não conseguia deixar de reagir a certas observações e as reacções, naquela altura em nada ponderadas, traduziam-se, regra geral, em castigos.
Cresceu, estudou, conheceu Lisboa à noite numa época em que se passeava por entre as ruas desta cidade como se de um pequeno bairro se tratasse. Sem medos, sem receios ou inseguranças. O percurso escolar leva-a a estudar radiologia, fazendo mais tarde desta especialidade a sua profissão. Foi neste contexto que conheceu Moniz, um moreno bem parecido, calado e muito metido consigo mesmo. Quando conheceu Moniz, Maria Augusta achou-o um antipático, estando muito longe de imaginar que aos 32 anos da sua vida, e aos 35 anos da vida de Moniz, jurariam Amor Eterno.
O início do casamento foi uma aventura! Nenhum dos dois sabia cozinhar e Maria Augusta entendia-se com alguma dificuldade com as exigências das tarefas domésticas. A vida, tornou-a numa cozinheira de mão-cheia, mas na altura, valiam-lhe os livros de receitas, as dicas de colegas de profissão e a imaginação para que a sua sogra nunca desse conta desta lacuna....e a verdade é que nunca deu...
Moniz e Augusta tiveram o privilégio de conhecer, a dois, grande parte do mundo, de degustar os pratos dos restaurantes mais afamados, de aprofundar, dia após dia, uma cumplicidade rara. O destino não quis que da sua união nascessem frutos...talvez consequência dos danos colaterais da profissão que ambos desempenharam vida fora, numa época em que se corriam demasiados riscos...
Quase 4 décadas após a sua união, o organismo de Moniz começa a dar sinais de uma idade já avançada. Moniz perde o apetite e nem os esforços de Augusta, preparando as iguarias mais apreciadas pelo seu marido, satisfazendo os seus desejos, mostravam contrariar o que se adivinhava ser o fim do caminho. Aos 83 anos de vida Moniz perde todos os dias um bocadinho daquela que havia sido uma arrebatadora força de viver! Junto com o apetite, perde a capacidade de andar...em seguida a capacidade de comunicar...e mesmo quando vozes de especialistas da saúde se uniam a vozes de amigos mais próximos, indicando a Maria Augusta que estaria na hora de Moniz ser hospitalizado ou colocado numa casa que lhe pudesse prestar os cuidados que este precisava nesta fase da sua vida, esta não desiste daquele que foi o Amor de uma vida.
Maria Augusta adquire uma cama articulada, um colchão anti - escaras, contrata apoio domiciliário diário e dorme, num estado de vigilia permanente, num pequeno colchão, que instalou no chão do quarto - que era o quarto de ambos - mesmo ao lado da cama que agora acolhia somente Moniz. Todo e qualquer suspiro do seu Amor a fazia levantar, recompor a roupa da cama, humedecer os lábios que tantas vezes se misturaram com os seus.... Ai se o Amor que sabia que os unia pudesse rejuvenescer os corpos.....na certa voltariam os dois a viajar mundo fora... afinal, havia ainda tanto por descobrir....
A mais imperativa de todas as Leis da Natureza, e ainda que todas as Leis da Natureza sejam imperativas, na medida em que não podem ser contestadas, somente aceites, esta será sem dúvida a suprema Lei das Leis Imperativas da Natureza manifestou a sua presença e Moniz partiu, no final de uma tarde de Outono, uma tarde solarenga e calma.
Maria Augusta estava lá, como sempre esteve nas quase 4 décadas que partilharam em comum, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença....até que a mais imperativa das Leis da Natureza, a mais incontestável de todas..os separou...
É a história verdadeira de um amor raro, comovente, contagiante...uma brilhante e apaixonante lição de vida....

3 comentários:

aiagarb disse...

Bem na verdade tens um jeitinho para a escrita que invejo. A forma como contas te uma historia que conheço e ainda assim tive de ler até ao fim para saber como acabava, sabendo eu exactamente como.
Kiss

Tia Dalila disse...

É o que eu sempre digo, parece que andou na net a pesquisar uma tal cena de um livro ou um conto, e que fez copy past, mas não... Esse tal jeitinho para a escrita, que eu também invejo, merecia mesmo um blog para todos podermos ler...
Beijinho grande e doce para ti

Madalena disse...

@ Aiagarb e Tia Dalila,

Ainda bem que gostaram de ler! Eu gostei de escrever mas acima de tudo é bom ter a oportunidade de conhecer histórias destas, de ter o prazer de lidar com os seus protagonistas de perto, ainda que o final não seja um final feliz, mas é o final que a Natureza permite. Uma história sincera, de um Amor Leal até ao fim do caminho, que há-de continuar a ser o caminho de ambos. Grata pelas vossas lindas e amáveis palavras. Beijo grande a dois grandes amigos e fiéis leitores do Madalena!!